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  • Foto do escritorSeminário Arquidiocesano de Cuiabá

A Infalibilidade Papal - três níveis de ensinamento

O “carisma da infalibilidade” de que dispõe o Magistério da Igreja não vale para todo e qualquer pronunciamento eclesiástico, mas corresponde à essencialidade da missão de salvar as almas. Por isso, a Igreja possui três níveis de ensinamento.

 

É certo que, desde o início, Nosso Senhor Jesus Cristo concebeu a sua Igreja como mestra das nações. Em razão disso, os sucessores dos Apóstolos sempre exerceram o munus docendi ao longo dos séculos, conduzindo o povo de Deus pelo caminho seguro da sã doutrina e da economia sacramental, a fim de assegurar-lhe a salvação eterna.



Para uma missão tão delicada, os legítimos pastores precisam do auxílio da graça, razão por que o Magistério da Igreja dispõe do “carisma da infalibilidade”. Essa infalibilidade é necessária porque a fé é necessária para a salvação e, consequentemente, todo fiel precisa ter certeza infalível de que o conteúdo dessa mesma fé, ensinada e proposta pelos pastores, corresponde substancialmente à Palavra de Deus revelada. De outro modo, seríamos todos seguidores de “fábulas mundanas e estórias de gente caduca”, como adverte o Apóstolo (1Tm 4, 7).


É evidente, portanto, que o Magistério da Igreja precisa ser levado a sério e bem compreendido. Trata-se de matéria tão grave que a Igreja exige justamente uma professio fidei a todo professor de teologia, a fim de que ele ensine e proponha apenas aquilo que está no credo cristão. Nesse juramento, o teólogo professa o Credo niceno-constantinopolitano e mais três compromissos:


Creio também firmemente em tudo o que está contido na palavra de Deus, escrita ou transmitida pela Tradição, e é proposto pela Igreja, de forma solene ou pelo Magistério ordinário e universal, para ser crido como divinamente revelado.


De igual modo aceito firmemente e guardo tudo o que, acerca da doutrina da fé e dos costumes, é proposto de modo definitivo pela mesma Igreja.


Adiro ainda, com religioso obséquio da vontade e da inteligência, aos ensinamentos que o Romano Pontífice ou o Colégio Episcopal propõem quando exercem o Magistério autêntico, ainda que não pretendam proclamá-los com um ato definitivo (grifos nossos).


A fórmula distingue claramente o Magistério solene (ou extraordinário) do Magistério ordinário e universal. Também fala de decisões definitivas e não definitivas. A compreensão correta do carisma da infalibilidade, de que é dotado o Papa sozinho ou com os bispos em comunhão com ele, necessita justamente dessas distinções para que não se incorra em mal-entendidos ou mesmo dissensões.


Os três níveis de ensino


De forma esquemática, podemos dizer que o Magistério da Igreja pode ser exercido de três modos diferentes. O primeiro deles, o mais solene e extraordinário, é exercido pelo Papa ou, reunido em Concílio ecumênico, pelo Colégio Episcopal em comunhão com o Papa e com a aprovação dele, num pronunciamento chamado ex cathedra. Conforme o texto da constituição dogmática Pastor Aeternus (cap. V), do Concílio Vaticano I, esse tipo de pronunciamento tem como notas características quatro coisas:


  1. o Papa precisa falar como pastor e mestre, exercendo a suprema autoridade apostólica;

  2. deve tratar de fé e moral ou assuntos conexos;

  3. deve dirigir-se ao conjunto da cristandade;

  4. deve ter a intenção manifesta de definir uma doutrina para que seja professada por todos os fiéis.


O teólogo Ludwig Ott explica que, “sem esta intenção, que deve ser facilmente reconhecível pela fórmula usada ou pelas circunstâncias, não pode haver definição ex cathedra” [1]. Por conseguinte, enquadram-se nessa modalidade de Magistério os dogmas cristológicos e marianos, por exemplo, sendo o mais recente deles o da Assunção da Virgem Maria, definido em 1950 pelo Papa Pio XII. Nessas proclamações, obviamente, o Papa não inventa nada. Ele apenas confirma solenemente, de modo definitivo e irreformável, um artigo de fé já professado pela Igreja anteriormente, que requer dos fiéis um assentimento com fé teologal, por se tratar de doutrinas fundadas diretamente na autoridade da Palavra de Deus (as chamadas doutrinas de fide credendæ).


Outra modalidade é a do Magistério ordinário e universal. Nesse caso, há infalibilidade quando, para tratar de algum assunto de fé e moral, a Igreja apela à Tradição e às Sagradas Escrituras, segundo as notas teológicas de antiguidade, universalidade e consenso (semper, ubique, ab omnibus), para confirmar uma doutrina explicitamente revelada ou que esteja em conexão com o depósito da fé. Em outras palavras, o Magistério ordinário também não declara nada de novo, mas verdades já professadas desde sempre, em todos os lugares e por todos os crentes.


Acontece que as diferentes épocas apresentam, por assim dizer, situações morais ou dogmáticas próprias, as quais requerem a meditação e o juízo da Igreja. Na época dos Padres da Igreja, por exemplo, não se falava em métodos contraceptivos artificiais, clonagem ou fecundação in vitro. Essas situações só apareceram séculos mais tarde. À luz da Tradição, no entanto, a Igreja reflete sobre esses novos assuntos, verificando a sua “conexão lógica” ou “relação histórica” com o depósito da fé, e o Papa então pode julgá-los de modo definitivo com alguma proposição do Magistério ordinário e universal.


Como exemplos de atos definitivos e infalíveis do Magistério ordinário e universal, a Congregação para a Doutrina da Fé cita as afirmações acerca dos métodos contraceptivos, presentes nas encíclicas Casti Connubii, Humanæ Vitæ e Evangelium Vitæ; também fala da exclusividade do sacerdócio aos homens, da celebração de Concílios ecumênicos etc [2]. Todas essas doutrinas não foram explicitamente reveladas, mas têm uma “conexão lógica” ou uma “relação histórica” com o depósito da fé; pelo quê, devem ser guardadas pelos fiéis como doutrinas de fide tenendæ, ou seja, com uma fé radicada na assistência do Espírito Santo ao Magistério.


A Igreja, finalmente, pode expressar-se de modo “não definitivo” — e, portanto, não infalível — para apresentar proposições verdadeiras ou, ao menos, seguras que melhor elucidem o conteúdo da fé, ou emitir juízos prudenciais acerca de circunstâncias que possam pôr em risco a sagrada doutrina. Nessa situação, o Magistério também é assistido pelo Espírito Santo. Todavia, pode acontecer de o Magistério desse gênero não contemplar pormenorizadamente a complexidade de uma questão, como explica a Congregação para a Doutrina da Fé, e emitir juízos que depois necessitarão de reformas (cf. Donum Veritatis, n. 24).


Por exemplo, a Congregação para a Doutrina da Fé proibiu por um tempo a afirmação de que Moisés não seria o autor do Pentateuco, porque isso poderia pôr em risco a fé dos mais simples. O mesmo argumento valeu para a proibição do Diário de Santa Faustina durante o pontificado de João XXIII. Eram juízos válidos para aquelas circunstâncias.


Essas nuances exigem, pois, toda cautela e discernimento dos fiéis, que, sem dúvida, precisam prestar um religioso obséquio da própria vontade e da inteligência à autoridade da Igreja. As tensões devem ser resolvidas pelos instrumentos adequados que o próprio Magistério oferece. A Igreja mesma indica que é preciso “verificar acuradamente qual seja a autoridade destas intervenções, assim como ela emerge da índole dos documentos, da frequente proposição de uma mesma doutrina, ou da própria maneira de se exprimir” (Donum Veritatis, n. 24).


O sensus fidelium em relação ao Magistério


Naturalmente, os filhos da Igreja devem evitar uma atitude arbitrária e hostil contra um ato do Magistério autêntico, mesmo quando ele se pronuncia apenas de modo provisório. A instrução Donum Veritatis esclarece que “seria contrário à verdade se, a partir de alguns casos determinados, se inferisse que o Magistério da Igreja possa enganar-se habitualmente nos seus juízos prudenciais, ou não goze da assistência divina no exercício integral da sua missão” (n. 24). Por isso, não são de bom tom certos juízos apressados que surgem, aqui e ali, sobre os documentos da Igreja, mormente quando esse juízo parte de pessoas leigas.


É mister guardar o bom senso e usar dos legítimos meios para dirimir as dúvidas concernentes a alguma intervenção do Magistério. No caso da polêmica sobre o peso doutrinal da Carta Apostólica Ordinatio Sacerdotalis, os fiéis recorreram em forma de dubium à Santa Sé, e São João Paulo II, cumprindo a sua missão de confirmar a fé dos irmãos, prontamente esclareceu o assunto. Roma locuta.


O Catecismo da Igreja Católica diz o seguinte:


Os fiéis, segundo a ciência, a competência e a proeminência de que desfrutam, têm o direito e mesmo por vezes o dever, de manifestar aos sagrados pastores a sua opinião acerca das coisas atinentes ao bem da Igreja e de a exporem aos restantes fiéis, salva a integridade da fé e dos costumes, a reverência devida aos pastores, e tendo em conta a utilidade comum e a dignidade das pessoas (n. 907).


Em caso de dúvida, os fiéis precisam, simplesmente, apegar-se à segurança daquilo que já está definido ex cathedra ou é ensinado pelo Magistério ordinário e universal, segundo a norma da catolicidade: ou seja, é “verdade de fé” aquilo que foi crido sempre, por todos e em todos os lugares. Nesse sentido, S. John Henry Newman recorda oportunamente que, durante a controvérsia ariana, “a tradição divina confiada à Igreja infalível foi proclamada e mantida muito mais pelos fiéis do que pelo episcopado” [3]. De algum modo, o sensus fidelium também tem a prerrogativa da infalibilidade.


Para dirimir todos os equívocos em matéria tão preciosa, a Congregação para a Doutrina da Fé tratou do tema com suficiente clareza nos seguintes documentos: Mysterium Ecclesiæ (1973), Donum Veritatis (1990) e O primado do Sucessor de Pedro no mistério da Igreja (1998). No fim das contas, resta-nos a norma de Cristo sobre a obediência aos legítimos pastores da Igreja: “Quem vos ouve, a mim ouve; e quem vos rejeita, a mim rejeita” (Lc 10, 16).




Equipe Blog Secrei

Referências


  1. Ludwig Ott. Manual de Teología Dogmática. Barcelona: Editorial Herder, 1966, p. 435.

John Henry Newman. On Consulting the Faithful in Matters of Doctrine. London: Geoffrey Chapman, 1961, p. 75.

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